CAUDILHOS E CAUDILHISMO NA AMÉRICA LATINA

Caudilhos
O aparecimento da figura do “caudilho” na história latino-americana se deve a alguns fatores peculiares. Um deles é a falta de um exército unificado na época das revoluções de independência. O que havia, de fato, eram milicias locais sob o comando de alguns criollos. Estes criollos, por sua vez, eram donos de grandes propriedades que agregavam trabalhadores rurais (muitos mestiços, negros escravizados e indígenas); em tempos de guerra, eles serviam como soldados nestas milícias – sob o comando de seus patrões: os criollos. Após as guerras de independência, a única instituição que realmente se manteve organizada (e que até mesmo ganhou força durante as batalhas) foram os Exércitos.

O historiador Voltaire Schilling tem uma definição muito boa de caudilho: “O caudilho exerce um tipo de poder em sentido restrito. Sua dominação localiza-se em um grupo social determinado e pode estar fundamentada no costume ou tradição, na lei, na graça pessoal ou carisma. Em geral, o caudilho utiliza, como meios para obter essa dominação, o oportunismo político, militar ou religioso, meios econômicos especiais, qualidades peculiares como valor, audácia, poder de persuasão, inteligência, machismo, etc. e ainda o emprego de uma clientela mais ou menos numerosa que pode ser de diferentes classes e incluir desde grupos de camponeses em busca de proteção e ajuda até familiares e amigos, incluindo aqui relações de compadrio, e também, em alguns casos, a orientação de uma bandeira ou partidarismo político”(sem data, p. 3).

É preciso que fique claro: esta definição só é entendida no contexto do século XIX – pois é neste período que o “fênomeno” do caudilhismo ganha força, junto com os movimentos de independência; embora haja alguns historiadores que enxergam no caudilhismo um precursor do “populismo” do século XX.

O caudilhismo, enquanto movimento social característico da América Latina, também foi responsável pela ascenção social de classes subalternas em relação aos criollos. Segundo o historiador Tulio Haplerin Donghi, os criollos “tinham que armar massas importantes de soldados recrutados entre a plebe e as castas inferiores, […], e isso implicava certa tolerância para com as promoções. Passara-se o tempo em que, no exército, podiam fazer carreira apenas os espanhóis; nas primeiras filas, estavam agora oficiais nativos, e alguns mestiços – futuros generais da América espanhola independente […] (sem data, p. 87). O prêmio, que muitos destes “soldados oriundos da plebe” recebiam por seus serviços, eram lotes de terra – que os garantia saltar para categoria de proprietários rurais.

O termo “Caudilho” tem origem hispânica. Se refere a chefes politico-militares de tendências “autoritárias”; embora isso seja motivo de discóridia. O ditador espanhol do século XX Francisco Franco, por exemplo, utilizava a alcunha de “El Caudillo”.

Eis alguns caudilhos importantes na história da América.

José Artigas
José Artigas (1764-1850) – O caudilho dos povos livres. Artigas teve um papel decisivo nas guerras de independência na região Platina. Seu projeto de emancipação (a Liga Federal) tinha como principal objetivo construir uma federação republicana; projeto este que ia no sentido contrário à independência centralizadora (unitária) pretendida por Buenos Aires e por setores da elite de Montevidéu. E mais. Artigas e seus seguidores defendiam a reforma agrária! Pelo Reglamiento de Tierras de 1815, a distribuição de terras nas províncias que faziam parte da Liga Federal, deveria ter como critério a seguinte máxima: “que os mais necessitados sejam os maiores beneficiados”. Indígenas, negros que fugiram do trabalho escravo, pequenos agricultores, pobres e miseráveis eram os principais aliados de Artigas nesta luta por terra e liberdade.

Por estes motivos, não é a toa que Artigas e sua Liga Federal fossem perseguidos não só pela elite criolla de Buenos Aires, mas também pelo Império Portugês (instalado no Brasil) e pelos espanhóis (que ainda tinham esperanças de retomar seu império colonial). A partir de 1817 os exércitos portugueses começaram a avançar no território uruguaio (que na época se chamava Banda Oriental), obrigando o exército artiguista a recuar cada vez mais. Derrotado definitivamente em 1820, Artigas conseguiu abrigo no Paraguai, onde morreu. Sua imagem passou à história uruguaia como o “precursor da nacionalidade” no país.


José Tomas Boves

José Tomas Boves (1782-1814) – Boves foi um caudilho sui generis. Diferente dos demais, Boves estava alinhado com a tradição monárquica espanhola (era espanhol de nascimento). Mas isto não impediu que seu movimento agregasse as camadas populares de indígenas, negros escravizados, alforriados e mestiços, trabalhadores das planícies onde se criava gado (chamadas de llanos). O historiador Leon Pomer diz o seguinte a respeito de Boves: “Que o fizesse em nome do rei e que talvez não estivesse totalmente consciente do que estava fazendo, pouco interessa. Com ele os miseráveis obtinham propriedades às custas dos dos que estavam na parte mais elevada da pirâmide social” (2007, p. 68). o movimento monarquico radical de Boves deu origem ao que o próprio Pomer chama de “racismo de classe”: inspirado pelo caudilho, negros escravizados se insurgiam contra os brancos.

Boves morreu em uma batalha contra os republicanos e seu projeto de monarquia e reforma social foi sepultado com ele.


Simon Bolívar
Simon Bolívar (1783-1830) – Uma das figuras mais controversas da história das independências da América do Sul. Bolívar foi o grande estrategista, militar e ideólogo da independência da Venezuela e da Colômbia; o que lhe valeu o título de “El Libertador”. Além disso, o exército que organizou foi responsável pelas independências do Equador, Peru e Bolívia (país que deve seu nome a Simon). Oriundo de uma rica família da aristocracia venezuelana, Bolívar teve como professores dois nomes ilustres do americanismo: Simon Rodriguez e Andrés Bello.

Comprometido politica e economicamente com a Inglaterra, Bolívar foi acusado de participar do complô que prendeu o precursor da independência venezuelana: o radical Francisco Miranda. Comprometido também com os criollos locais, não conseguiu adequar seu projeto de GrãColômbia (com um poder centralizado) às revindicações federalistas de seus aliados na luta contra os monarquistas pró-Espanha.

Desde sua morte, a figura de Bolívar tem servido de inspiração a todos os regimes ditatoriais e conservadores. Recentemente, a releitura de esquerda feita pelo grupo MBR-200 (cujo um dos fundadores foi Hugo Chavéz) deu um novo significado histórico a figura do “Libertador”.

Facundo Quiroga
Facundo Quiroga (1788-1835) – O caudilho de La Rioja tem parte de sua fama devida ao livro do político e intelectual liberal argentino Domingo Sarmiento – intitulado Facundo: civilizaión y barbarie, um clássico da literatura argentina. Federalista, Quiroga era chamado de “El Tigre”, pois uma das lendas que se criou em torno de si dizia que tinha matado um “tigre” quando jovem.

Apoiador do “Pacto Federal” contra as pretenções unitárias de parte da elite portenha. Foi morto em uma emboscada, após ser designado pelo governo federal para ser mediador em um conflito entre as províncias de Salta e Tucumán. Sua morte provocou uma crise política, favorecendo o segundo governo de Rosas entre 1835 a 1852. Foi enterrado no famoso cemitério de La Recoleta.

Andrés Santa Cruz
Andrés Santa Cruz (1792-1865) – Autoproclamado “o Inca”, durante a efêmera Confederação Peru-Boliviana, Santa Cruz foi um dos casos de “ascensão social” que os exércitos possibilitaram às camadas populares – Andrés era mestiço e se destacou como militar.

Aproveitando-se de uma crise política no Peru, Santa Cruz, que era boliviano, anexou o país à Bolívia. A unificação que se deu em 1836, foi pensada por Santa Cruz no sentido de dar aos Estados confederados uma administração “moderna”: com um judiciário independente, controle do comércio e racionalização dos gastos públicos. Suas pretensões de levar adiante este projeto esbarraram nos interesses de seus dois poderosos vizinhos: as Províncias Unidas (Argentina) e o Chile – a ambos não interessava ter um Estado forte em suas fronteiras.

Em 1837, a Confederação venceu os exército chileno, mas em 1839 não conseguiu barrar uma segunda ofensiva. O fim da Confederação foi o fim da carreira política de Santa Cruz, que após se exilar no Equador e na Argentina foi para a França, onde morreu em 1865.

Juan Manuel de Rosas
Juan Manuel de Rosas (1793-1877) – Rosas é uma das figuras mais emblemáticas da história argentina. Federalista, governou praticamente como um unitário entre 1829 e 1832 e 1835 e 1852. Exterminou seus adversários políticos com uma guarda chamada Mazorca, espécie de polícia política. Latifundiário, teve um grande apoio popular, principalmente entre os gaúchos.

Rosas fez parte do Pacto Federal que lutou contra os unitários em 1829. Foi chamado pelos federalistas para participar do pacto por causa de sua eficaz ação militar na fronteira sul da províncias de Buenos Aires – contra os indígenas que ainda habitavam os territórios do sul. Graças ao Pacto Federal, Rosas ficou sendo o responsável pela política externa das Províncias Unidas.

O comércio externo das Províncias Unidas, principalmente com a Inglaterra, era realizado pelos rios da Prata, Uruguai e Paraná, importantes rotas de acesso às províncias do interior. Tentando fomentar a produção e a indústria nacional, Rosas chegou a bloquear com correntes o rio Paraná, impedindo que navios franceses e ingleses vomitassem seus produtos nas províncias do interior. Foi somente uma coalizão entre Brasil, Uruguai e alguns dissidentes argentinos, como Urquiza (também um federalista), que Rosas foi deposto após a “Grande Guerra”. Derrotado, Rosas encontrou exílio na Inglaterra, onde viveu de 1852 até o ano de sua morte. Uma lei de 1857 o considerou “reu de lesa-pátria” e sua imagem foi interpretada por muitos historiadores, políticos e intelectuais como um sanguinário. Seus restos mortais ficaram proibidos de retornar à Argentina até o ano de 1989; e somente em 1999 um monumento em Buenos Aires foi erguido em sua homenagem.

Antônio Lopez de Santa Anna

Antônio Lopez de Santa Anna (1795-1877) – O caudilho conservador do México. Governou em diversos períodos entre os anos de 1833 e 1855.

Santa Anna se projetou no cenário político mexicano quando os conservadores ficaram descontentes com o governo do imperador mexicano Agustín Iturbide. Os planos dos conservadores era depor um imperador que eles próprios haviam coroado, mas que se tornara indesejável por tomar decisões sozinho, sem consultar seus aliados – os conservadores. Estes planejaram uma república, mas uma república sem agitações sociais. Assim, foram buscar apoio militar no rude comandante do porto de Vera Cruz – o próprio Santa Anna. Após esta primeira interferência nos rumos da política mexicana, os conservadores sempre chamavam Santa Anna quando seu poder político estava abalado.

Na guerra contra a França, em 1838, Santa Anna foi chamado para garantir a “autonomia” dos conservadores frente a pressão de seus credores estrangeiros. Durante uma batalha, Santa Anna perdeu uma perna, arrancada com um tiro de canhão. E num episódio bizarro, Santa Anna “enterra” sua perna com honras militares. Na guerra do Texas (1836) foi sagrado o “campeão do Álamo”, por vencer os estadunidenses entricheirados na antiga fortaleza fransciscana. A guerra contra os Estados Unidos (1845-1848) foi o início do fim de Santa Anna. Após assinar o Tratado de Guadaupe-Hidalgo (que cedia todo o norte do México aos EUA), o caudilho se retira da vida política. O movimento liberal crescia com o desgaste da derrota na guerra. Lucas Alamán, o grande líder conservador da época, tentou uma última jogada para manter a hegemonia conservadora. Santa Anna foi trazido de volta e proclamado “ditador perpétuo” do México. Mas em 1854 a revolução liberal de Ayutla termina com o governo de Santa Anna e de seus apoiadores.


REFERÊNCIAS:

DONGHI, Tulio H. História da América Latina. São Paulo: Círculo do Livro, sem data.

GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2013.

POMER, Leon. As independências na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 2007.

SCHILLING, Voltaire. Caudilhos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Memorial do Rio Grande do
Sul, sem data.


Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 

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