Texto feito após uma reunião dos membros permanentes do GEACB no calor dos acontecimentos. Confira!


A “greve geral” dos rodoviários ou o cascalho ganha terreno em  Porto Alegre!

Enganam-se aqueles que chamam os trabalhadores dos faraós egípcios de precursores da greve. Logicamente que os trabalhadores do mundo antigo rebelavam-se com considerável grau de organização contra os abusos daqueles que os oprimiam. Os camponeses na Idade Média europeia também participavam coletivamente de conflitos contra os senhores, em defesa de seus interesses. Da mesma maneira não podemos dizer que os trabalhadores das sociedades da América Original e, que no Brasil, os trabalhadores negros escravizados faziam greve. Conceitualmente, o termo greve é de origem europeia. Não há greve sem sindicalismo, sem venda de força de trabalho, e sem salário. Portanto, hoje em Porto Alegre, se Simon Rodriguez estava correto, ao não inventar, estamos incorrendo em gravíssimo erro. A greve é um recurso movido por interesses bastante limitados, de categoria, não de classe.

O filósofo alemão Karl Marx, algumas vezes chegou a criticar as greves. Dizia ele que muitas greves não tinham outro objetivo além de buscar resultados imediatos que beneficiassem, principalmente, alguns sindicatos organizados. Se tomarmos como exemplo a história sindical brasileira, principalmente após as greves do final da década de 1970 até a formação da Central Única dos Trabalhadores, em 1983, a greve tinha uma característica revolucionária (antes deste período, a greve revolucionária no Brasil foi defendida principalmente por grupos do chamado anarco-sindicalismo, no final dos anos 1890 até a formação do Partido Comunista Brasileiro em 1922), visto que era a época da abertura política realizada de cima para baixo pelos militares – a chamada abertura “lenta, gradual e segura”. O avanço neoliberal resultou na flexibilidade da mão de obra – trabalhadores que não têm emprego fixo e principalmente o aumento o trabalho informal, autônomo em relação ao Estado – enquanto as grandes forças sindicais buscaram cada vez mais um sindicalismo de resultados limitados aos trabalhadores assalariados. Ou seja, o que Marx já criticava no século XIX, voltava a ser praticado no Brasil do inicio do século XXI, como hoje ocorre nesta “greve geral” dos rodoviários, em uma realidade ainda mais desenvolvida, implicando em uma noção de classe trabalhadora superadora da encontrada nos escritos marxianos. A história do trabalho na América Latina possui uma historicidade específica, demandando estratégias também específicas.  
 


Ônibus parados nas garagens.

O governo de esquerda do Partido dos Trabalhadores não foi capaz de apontar um grande projeto que beneficiasse os trabalhadores como um todo (formais e informais). Não conseguiu beneficiá-los com leis sociais para os novos tempos. Assim, no Brasil, a velha Consolidação das Leis de Trabalho de Vargas ainda é o mais progressista conjunto de leis do trabalho – e ela é de 1943.

A desregulamentação do trabalho dito formal e o avanço do setor de serviços fez com que a greve se adequasse a este sistema: o beneficio de caráter “autista” é cada vez mais voltado ao setor em greve e não de toda a classe trabalhadora. Neste sentido, o sindicalismo é a melhor opção para o desenvolvimento sem superação do capitalismo, aonde as greves são ações de rotina.
Após estas reflexões, enfatizando o fator da previsibilidade, por quais razões esta “greve geral” dos rodoviários, é, ainda assim, alvo de falácias ininterruptas dos meios de comunicação de massas? Afirmam que os “Rodoviários rasgam acordo e nenhum ônibus sai da garagem”, ou que o “Prefeito e governador não se entendem, e povo fica a pé”, ou que a “Justiça é desrespeitada e empresários não negociam”? Estas manchetes no Diário Gaúcho, edição dos dias 1 e 2 de fevereiro de 2014, vieram acompanhadas de afirmações de populares, todos contrários a “greve geral”, já que os cidadãos pagantes de impostos estão sendo demitidos por justa causa devido a esta baderna. (Será que os que são contra a greve teriam a mesma posição ser a sua categoria entrasse em greve por melhores salários?) Nestas notícias interessadas, os patrões têm sua malignidade exagerada! Conforme a impressão passada por vídeo vinculado no youtube da Assembléia de deflagração desta greve, o Sindicato dos Rodoviários é “pelego”, alinhado com os interesses dos patrões, e, neste sentido, esta grave em sua primeira fase foi patronal. Estamos em uma segunda fase, aonde esta greve tornou-se trabalhista. Estará correto o atual prefeito pedetista José Fortunati ao firmar que esta greve está sendo muito, muito estranha? Por isso, teria ele considerado esta “greve geral” uma ação anti-social, como se estivéssemos de volta ao ano de 1890, ao clamar por intervenção militar e por ajudar a torná-la um delito?


Trabalhadores exigem seus direitos.

O que também nos chama a atenção, em qualquer movimento de greve, é a presença de agremiações políticas pouco expressivas, mas que oportunamente tremulam suas bandeiras em qualquer movimento dito de trabalhadores. Se é assim, eles seguem a lógica do sindicalismo de parcos resultados, algo que não condiz com as suas ideologias: o que fazem o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados e a Federação Anarquista Gaúcha em uma “greve geral” que busca benefícios específicos de uma categoria e que não põe em cheque a lógica do sistema, ao contrário, quer se beneficiar deste sistema – o que não é errado para a categoria em greve. Encontramos mais semelhanças do que diferenças entre esta “greve geral” e os afamados “rolezinhos”, ao protagonizarem uma luta pela manutenção do capitalismo brasileiro.

Isso não quer dizer que somos contra esta “greve geral”. O Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata é favorável a luta dos grevistas por 4% de reposição de perdas, diminuição da jornada de trabalho, R$ 20, 00 de ticket, plano de saúde hospitalar, não pagamento de acidentes e avarias, ticket nas férias, auxílio creche e fim do banco de horas! Mas, por outro lado, consideramos que Marx estava com a razão ao afirmar que a greve pode ser um instrumento em favor do sistema capitalista. Nesta “greve geral”, a parte (categoria- rodoviários) toma o lugar do todo (a classe trabalhadora), configurando os rodoviários uma categoria “para si”. O cascalho, portanto, ganha terreno na nossa Porto Alegre!

 
Sobre o Autor:
Fábio Melo
Fábio MeloMembro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 
Sobre o Autor:
Rafael Freitas
Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. 

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